quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Um até mais pra um amigo que nunca conheci

Eu achava que nada poderia piorar esta semana. Depois da promiscuidade da família presidencial com milícias, da vergonha que passamos todos pela pequenez e falta de estatura política e diplomática deste presidente e seus "super" ministros em Davos, de estar acamado, de novo com inflamação na traqueia e brônquios, eu achava que pronto.... Deu!!! Não poderia acontecer mais nada de ruim neste final de semana.

Daí eu li a entrevista de Jean Wyllys na FSP, e a notícia de que ele vai renunciar ao mandato e sair do país para preservar sua integridade física diante da avalanche de ameaças que tem sofrido e está sofrendo.
A primeira reação foi de inconformismo... Como perder alguém com a firmeza de opiniões e com o posicionamento político de um deputado como Jean Wyllys, que foi responsável pelo não assassinato, não exclusão, pela moderação do preconceito e do machismo e da homofobia, tão arraigados ainda nesse nosso Brasil? Será que o cara que enfrentava os brucutus fascistoides do Congresso com cara limpa e palavras certas, que não compactuava, não tergiversava, não recuava nem se acovardava diante das ameaças mais destemperadas e de algumas das calúnias mais vis que um ser humano possa suportar, havia se acovardado? Estaria com medo? Havia, negando sua biografia e sua ação parlamentar e sua própria vida , afrouxado diante do ambiente apocalíptico (esperem pra ver) da Câmara dos Deputados? Será que ele tinha deixado na mão a nós todos que lutamos por um país inclusivo, plural, multicolorido e que ama sua diversidade? Logo ele? Logo quando os nem tantos assim deputados comprometidos com as pautas dos direitos básicos de cidadania para todos, iriam precisar, e muito, de sua experiência, da partilha, e, eu tenho certeza que em muitos momentos, até de seu ombro amigo, ao chegar no circo de horrores que se desenha na legislatura que toma posse em 1º de fevereiro?

Mas daí, das palavras que usei para expressar meu inconformismo inicial, uma começou a brilhar e piscar como um luminoso de neon... "Humano", "Humano", Humano".... E meu inconformismo foi passando para a compreensão, empatia e solidariedade com o o gesto do ser humano Jean Wyllys...

Compreensão que todo ser humano tem limites pra carga que pode suportar sem se quebrar física, psicológica e emocionalmente; empatia porque eu sei o quanto dói e pesa sofrer na carne calúnias e injustiças, perpetradas, repetidas e reiteradas ad nauseam e ad infinitum, mesmo que ao avesso das dele; e solidariedade, porque a nossa dor nos une, as calúnias contra nós nos irmanam, porque, afinal vivemos, sofremos, choramos, temos medos, nos decepcionamos, nos desterritorializamos! Porque, afinal, somos humanos!
Jean Wyllys e eu somos aparentemente antitéticos! Ele é gay convicto e eu sou hétero convicto! Ele é ateu e eu sou cristão, reformado! Ele milita pelas causas dos direitos civis e eu milito para que o corpo de Cristo possa vir a ser agente na construção de uma sociedade onde estes direitos possam ser naturais a toda pessoa... Ele ainda é jovem, e eu já passei dos sessenta! Mas essa antítese se desfaz quando, tanto ele quanto eu, somos cientes e conscientes de nossa radical, irredutível e plena humanidade, que é maior que gênero, crença, campos de militância ou mesmo tempo de vida!
E é preciso ser humano, saber-se humano e agir humanamente para ter a coragem de dizer: "Basta"! De saber que será usado como escada para projeção de medíocres, recalcados, mal-amados, oportunistas e golpistas de todos os tipos e ter a coragem de dizer não! Porque o mau caratismo, o oportunismo, a mesquinharia, a misoginia, o preconceito, a homofobia, o machismo, tanto pelo direito quanto pelo avesso, são instâncias de desumanização! E é preciso dizer não à desumanização! É preciso dizer não àqueles que transformam o amor em hipocrisia e oportunismo, que transformam o ser humano em um conjunto de rótulos preconcebidos, acríticos, deterministas e, fundamentalmente, perversos! 

Por isso Jean Willys e eu somos amigos! Porque, cada um com as suas dores, cada um dentro de seu peito rasgado, de seu coração que não bate, mas só apanha, cada um com seus méritos, verdades, crenças, militância particulares, cada um de nós hoje nos irmanamos na dor! E a dor une! A dor cria laços invisíveis, mas profundos! A dor nos identifica, nos constrói e nos fortalece uns aos outros  Jean! A dor cria entre nós um laço forte como um cordão de três dobras!!! Principalmente em nossos momentos de (de)pressão, quando a violência simbólica, as ameaças de violência física e, por quê não, a violência emocional e sentimental nos despedaçam, nos trituram, moem e esgarçam cada partícula de nosso ser!
Hoje, Jean, eu me descobri seu amigo, como tempos atrás me descobri amigo de Marielle, como tenho me descoberto amigo de tantas e tantos que são aviltados e massacrados pelo ódio, pelo preconceito, pelo machismo, pela intolerância, pelo oportunismo e pela mais simples cabal desonestidade humana. 
Seja bem-vindo à minha galeria de amigos, Jean! Estamos juntos, tentando garantir a vida dos que estão vivos, não deixando que nossos mortos morram e que nossos ausentes não sejam esquecidos! Saia de cabeça erguida, use sua garra, sua determinação, seu intelecto, seus sentimentos, suas opções e, principalmente, sua radical humanidade, onde quer você vá para cultivar à distância nossos amigos!
E saiba que, onde você estiver, fazendo o que você estiver fazendo, eu e mais uma multidão de amigos, estaremos perpetuando sua história e não deixando esvair a sua memória nessa Pátria que tem sido tão ingrata e madrasta com seus melhores filhos! Vá em paz, querido, e que Deus o acompanhe!!! Até mais ver, amigo!!!
Abraços virtuais!!!
Marco Aurélio M. Pereira

PS: Amigos são os que se abraçam, se beijam, saem de mãos dadas e juntos pisam na grama na cara do guarda e que, por isso mesmo podem dizer: "Ninguém larga a mão de ninguém"! Há milhares de mãos segurando as suas, querido!



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