quarta-feira, 6 de março de 2019

Quem me ensinou a nadar? Foi, foi, marinheiro, foi os peixinhos do mar...

Eu sempre achei a cultura popular, em suas formas de expressão alegres, bem-humoradas, politicamente incorretas, com suas peças aparentemente toscas, a cultura superior de uma sociedade... Com os cortes a vivo e a fundo, rasgando a madeira e nela aflorando a alma... com músicas coletivas, participativas, resistentes, de percussão dura e marcada, de vozes altas, falsetes, quase gemidos, de rabecas e pandeiros de dor, amor e alegria, não necessariamente nessa ordem... Da simbiose com a terra, com o barro, de onde saem panelas, potes, pratos, moringas, taperas, um tudo necessário para usar, morar e viver. Mas gosto principalmente de sua rebeldia, da ironia fina e ferina, dilacerante, na verdade, que corta fundo nos que querem enquadrá-la em cânones de forma, de métrica, de textura, de arquitetura, de qualquer coisa que não a torne ela mesma e a submeta aos desejos de normatização....
O carnaval é assim, irredutivelmente resistente, finamente irônico, mesmo quando explícito, o "ridendo castigat mores" dos romanos elevado à sua expressão perfeita. É o momento de se expressar fora das conveniências e das vivências organizadas pelas leis, usos e costumes, que em sua maioria são feitos apenas para reduzir o mundo à tristeza dos tristes. Eu gosto muito do carnaval, e gostei muito mais ainda deste carnaval, que sacudiu as pilastras da varanda, levantou a poeira dos móveis e riscou o chão encerado da casa grande Brasil.
Casa grande de dono novo, dono que não gosta de festa, prefere ordem unida; que não gosta de alegria, prefere posição de sentido; que não gosta de barulho, prefere o silêncio dos porões e dos cemitérios. Casa grande que não quer festa, não quer transgressão, não quer crítica... quer confissão de pecados, quer penitência, quer castigo, quer joelho no milho e palmatória nas mãos dos que se atrevem....
Mas a senzala, o povo, a cultura popular, não querem nem saber disso... O Brasil voltou, mesmo que por alguns dias a ser Brasil, de todas cores, de todos os gêneros, de todos os sonhos, de toda alegria, de toda transgressão, de toda irreverência, de toda música, de todo grito de guerra... Neste carnaval, o Brasil se reencontrou consigo mesmo e se libertou do silêncio e da disciplina dos donos e feitores da casa grande e, aos dois meses da posso do novo feitor e seus capitães de mato, virou um gigantesco quilombo, onde todos e cada um eram Zumbis e Dandaras, às sombra dos Palmares tupiniquins, todas e todos eram de novo cariris, tapuias, congos, angolas e malês.
E a revolta explodiu na cultura, já que e a economia, a política e a religião não são mais espaços do povo, mas dos coronéis, dos novos senhores de engenho, dos doutorzinhos de Chicago, dos apóstolos redivivos.... Ao povo sobrou a cultura, a mesma cultura que sabe que onde come um comem dois, a cultura solidária na dor e na crítica, a cultura que irmana e resiste, a cultura que expressa a alma profunda do Brasil, feita de carne negra e sangue vermelho, em vão amordaçados e castigados para que se calassem.
Mas o Brasil gritou, gritou em alto e bom som, do alto dos trios elétricos, na xepa dos megablocos, nas ruas e avenidas, nos corsos do interior, nos bailes das sociedades, na rua, na chuva, na fazenda, e nas casinhas de sapê, como dizia a antiga canção... Gritou e gritou bonito!!!!
Centenas de milhares de pessoas juntas, irmanadas por serem multidão, soltaram a voz, a criatividade, o talento poético e musical popular e deram, alegres, o recado de seu inconformismo e sua resistência a estes que querem matar o carnaval, e com ele a alegria, que ainda é das poucas coisas que nos restam.
E como foi bonito!!! E como pegou os caretas e hipócritas coveiros da alegria e da vida no contrapé!!! E eles achavam que tinham ganhado alguma coisa ao vencer a eleição!!! Ganharam o governo, mas, como foi visto, e ouvido aos gritos, não ganharam o coração do povo!!!
O povo, esse tirou o bolsoneco de Olinda do carnaval debaixo de uma chuva de cerveja... O que faz um coveiro da alegria no carnaval?
O povo entendeu tudo e expressou tudo: "Doutor, eu não me engano o bolsonaro é miliciano"!!! O povo vestiu mais fantasia de laranja neste do que em todos os carnavais juntos!!! O povo, na síntese perfeita da transgressão, gritou "Ai, ai, ai ai, bolsonaro é o carai...". O povo, com muito mais didática relacional que o MEC inteiro e suas ordens unidas infantis, num exemplo de resiliência reversa, deixou as coisas claras e explícitas: "Ei, bolsonoro, vá tomar no cu..." Vox populi, vox dei....
E de Belém a Itanhaém, de Salvador a Fortaleza, do Rio de Janeiro a Belo Horizonte, de São Paulo a Porto Alegre, de novo ressoou o grito de guerra que apavora os coveiros da alegria: "Ele não!!!".
E a Sapucaí gritou, e o Anhembi gritou e as escolas de samba cantaram hinos nacionais de resistência em seus sambas, ecoando a voz do povo, deixando o pobre colombiano como uma colombina tonta com o peso, a intensidade, a profundidade e a verdade do saber popular!!!
E a Mangueira foi a campeã do carnaval cantando, vivendo e mostrando a História que as histórias da casa grande não contam. Abriu os porões e as senzalas, e denunciou o machismo, o racismo, a misoginia, e insipidez da casa grande... Ocupou o terreiro num batuque de roda e de palma da mão, e disse: "Eu sei o que vocês fizeram nesses últimos 400 anos!!!". E deixou o rei nu, os coronéis pelados, mudos pelo peso imenso daquele terrível cantar que soube extrair alegria da dor de sempre....
E a Tuiuti nos levou ao paraíso, e deu o maior bode... e de novo mostrou que o povo lembra dos seus até quando não pode dar nome a eles... E viva bode soberano de Garanhuns, aquele que soube fazer do Brasil uma pátria para todos e que deve ter rido muito no cercadinho onde o confinaram!!!
E ao senhor, triste senhor da casa grande, restou tentar tornar a alegria imoral, como se fosse possível alguma moral sem alegria; tentar demonizar o carnaval, como se possível calar todo um país; tentar tornar, feia, suja, depravada como ele, toda a felicidade de um povo que, mesmo "quae sera tamem" está se reencontrando consigo mesmo e que, neste carnaval, lembrou do velho Ataulfo e levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima. E que volta!!!!
É por isso que eu gosto tanto da cultura popular, porque ela nos lembra que ainda estamos vivos, que resistimos, que não desistimos, que lutamos e cantamos, porque nossa casa é casa de bamba.
E agora, se eles achavam que tinham nos emparedado, nos agrilhoado ao tronco e nos posto debaixo de chibata, eu tenho algo a lhes dizer: eles erraram, e erraram feio.
Porque nós somos cipó de aroeira, madeira dura, pau e pedra, mas também somos sangue e olhos vermelhos, e vermelho nos bate o coração.
Nós somos todos como o povo de Umbanda que tomba mas não cai!!!
E se acharam que tínhamos, ido, sumido, nos escafedido, nos calado, silenciado, ou acovardado, negativo!!! Nós somos Adoniram: "Se oceis pensava que nós fumos imbora, nóis enganemo oceis!!! Fingimo que fumo e vortemo! Ói nóis aqui traveis!!!"
Viva o Carnaval!!! Viva o Brasil!!! Viva o povo brasileiro!!!!
Marieli vive!
Lula livre!


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

As vestais e suas pedras

As vestais e suas pedras


O navio, à deriva e com o casco perfurado pela direita, está afundando, e parte da chamada esquerda, como sempre, está culpando outros grupos da própria esquerda pelo naufrágio iminente...
Este é um dos maiores problemas do campo progressista: a tentação hegemonista de alguns dos grupos e grupelhos, ditos de esquerda, que os impede de perceber táticas, estratégias, campos de ação política e locais de atuação política, social e parlamentar, e que os deixa muito confortáveis, nos bares da vida, sentados diante um chopp, com uma pilha de pedras à mão, para procurar uma vidraça, uma telha de vidro para apedrejar.
A acusação da vez, feita pelo jornal do PCO de hoe3, 13/02/2019 (https://www.causaoperaria.org.br/rodrigo-maia-revela-ala-direita-do-pt-fez-acordo-para-votar-em-deputado-bolsonarista-para-presidencia-da-camara/), é que a “ala direita” do PT fez, ou teria feito, um acordo, segundo revelações do deputado Rodrigo Maia, para eleger um deputado bolsonarista para a presidência da Câmara dos Deputados, o próprio Rodrigo Maia, do DEM.
A eleição das mesas diretoras da câmara federal e do senado é um espaço institucional de disputa partidária, mas não puramente ideológica e sim muito mais administrativa e política. Cada cargo da mesa e cada presidência e relatoria de comissão significam não apenas um conjunto de pessoal de assessoria e de recursos, que podem ser usados não apenas na ação partidária dentro do congresso, mas também na ação política na sociedade na sociedade.
Mas também, e principalmente no caso dos partidos de oposição e minoritários no parlamento, a presença nas mesas diretoras é espaço privilegiado para o conhecimento prévio e de possibilidade de voz ativa na câmara e no senado, permitindo não apenas se inteirar, mas denunciar com conhecimento de causa tentativas de projetos de lei espúrios, ou manobras para aprovação destes projetos de lei, medidas provisórias e decretos, gestados e com estratégia de tramitação e aprovação definida nas reuniões das mesas diretoras e das comissões parlamentares. Sem a presença nestas instâncias, seria impossível a qualquer partido o tensionamento político e sequer a denúncia das manobras nas quais o parlamento é useiro e vezeiro....
Para isso, a disputa administrativa não tem o campo ideológico como campo determinante exclusivo na composição de blocos parlamentares para a disputa dos cargos das mesas diretoras e, consequentemente, na participação nas presidências e relatorias das comissões parlamentares. O que é determinante para isso é o tamanho das bancadas de cada partido, e a sua capacidade de articulação em blocos partidários, blocos específicos para essas eleições internas. A questão ideológica nem sempre se reflete de forma cristalina na composição dos blocos, como pôde ser visto claramente na cisão do campo progressista na última eleição da câmara federal, onde PT, PSOL e PSB se articularam num bloco de centro esquerda, e partidos de esquerda, como o PCdoB, e de centro-esquerda, como o PDT, se aliaram a partidos de centro-direita e de direita num outro bloco dito de oposição ao bloco majoritário formado pela direita e que indicou e elegeu Rodrigo Maia para a presidência da câmara...
Na “revelação”, feita por Rodrigo Maia, de um acordo com a “ala direita” do PT para a sua eleição para presidência da mesa, enfaticamente ecoada pelo jornal do PCO, ocorre a confusão primária entre bloco parlamentar específico para a eleição das mesas diretoras do parlamento e bloco parlamentar de atuação política, tanto no parlamento quanto na sociedade. Isto fica claro na formação de um bloco de oposição na câmara federal com o PDT, PSOL e PCdoB, com a exclusão deliberada do PT, não para a eleição da mesa diretora, onde eles se dividiram, mas para a atuação parlamentar.
E aí parte da esquerda parte para um apedrejamento impiedoso ao PT, e exclusivamente ao PT, alvo desde sempre, pelo seu tamanho, inserção social e número de votos e de parlamentares, dos desejos mais inconfessáveis de um bom número de grupos da esquerda. Mas nenhuma palavra a respeito do PCdoB ou mesmo do PDT, que apoiaram ostensivamente Rodrigo Maia. Como o é para a direita, para essa esquerda o fantasma embaixo da cama a assombrá-los é sempre e apenas o PT.
Ao ver esses episódios de apedrejamento da esquerda pela esquerda, sempre me vem à mente, numa analogia imperfeita, ma non troppo, o episódio de Jesus com a mulher adúltera, e a fala do Mestre sobre apenas quem não tiver pecado poder atirar a primeira pedra. Naquele episódio, até os “puros” fariseus abaixaram as cabeças e se retiraram.
Mas os que veem o fantasma do adultério ideológico, chamado no jargão político de esquerda de política de conciliação, capitulação, traição e afins, precisam ser lembrados de que só quem não tem pecado pode atirar a primeira pedra.... E o pecado maior na política é o deslocamento entre a ideologia e o mundo real, que gera a incapacidade de comunicação com as massas, as pessoas que não pertencem ao grupo dos puros, e consequentemente a ausência de uma representação efetiva em número de votos, de mandatos parlamentares e até de participação nas estruturas partidárias...
Para esses fariseus políticos de hoje, travestidos de revolucionários, isso é irrelevante, pois se não sabem, ou não querem saber, como funciona o processo político, pretendem deter o monopólio de saber como ele deveria funcionar, e isso é o que importa... mesmo que praticamente ninguém os ouça e siga.
O problema é que na vida concreta da sociedade real isso apenas mascara a falta de representatividade política e o desprezo pelo funcionamento da política democrática, tão repudiada por estes que não compreendem que é preciso superar a democracia burguesa na ação dentro dela, e não apenas negá-la em tese e condenar à capitulação e traição os que preferem agir politicamente para transformá-la e fazer andar o processo revolucionário.
Esse vanguardismo todo é como um espelho perverso do mais fascista reacionarismo, que também nega a democracia burguesa, no fetiche da volta do autoritarismo ditatorial. É a ignorância do princípio elementar do materialismo histórico do desenvolvimento desigual e combinado....
É necessário, principalmente nos dias de hoje, antes de dar ouvidos a revelações, denúncias e outros tipos de informação, ainda mais vindos da direita, ver além da condenação fácil e da cobrança de uma pureza de fundo moralista e legalista, travestida de revolucionária. É fundamental examinar o contexto, o espaço, e a natureza da ação política denunciada, e a prática, que, afinal, é o critério superior da verdade, de quem está sendo objeto desse denuncismo divisionista.
O divisionismo é uma das estratégias favoritas da direita para enfraquecer o campo progressista, e só funciona tão bem no Brasil porque uma parte da dita esquerda a encampa alegre entusiasticamente e faz, com todo empenho, o serviço divisionista sujo para a direita.... Esta esquerda se esquece, ou não quer lembrar, que não se faz política entre iguais... e que, sim, a política é feita no embate ideológico classista, mas também é feita, dentro de uma democracia burguesa conservadora onde estamos inseridos, dentro dos partidos políticos e nas suas relações e ação nas instâncias representativas internas e no parlamento, além da luta social em si....
Ficar procurando capitulação, rendição, conciliação e submissão à direita ou ao bolsonarismo nos processos internos de eleição das instâncias parlamentares é perverso, porque julga o processo político fora de sua territorialidade ampla; é reducionista, pois reduz a luta política ao parlamento, quando não considera o todo da ação política de quem denuncia; e é imobilista, pois, em nome da pureza ideológica, impede que os partidos tenham espaços institucionais para ecoar as lutas sociais no parlamento.
Nestes dias bicudos, é preciso clareza sobre o que está envolvido nas lutas parlamentares e postura crítica frente firme, frente às declarações divisionistas da direita e à sua propagação pelas vestais da esquerda...

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

A Dança dos Vampiros

Hoje é o dia mais triste desse ano de tão tristes dias! A face maligna, persecutória, vingativa, intimidativa, violenta e desumana do Brasil em que vivemos atingiu, e eu esperava que isso não fosse ainda possível, um nível mais perverso ainda!
O enredo diabólico, nefasto, sádico e obsceno dos agentes do Estado brasileiro, mormente do poder judiciário e do executivo, para impedir Lula de exercer seu direito expressamente legal, declaratório e não interpretativo, de comparecer ao velório e ao sepultamento de seu irmão mais velho, chegou a um patamar de crueldade inimaginável! Da juíza inominável de Curitiba, aos inomináveis procuradores do Ministério público, passando pelos inomináveis agentes da polícia federal e pelo inominável vice-presidente da república e culminando com o ato sádico do inominável ministro do STF de liberar Lula para o velório de um irmão recém sepultado, todos, homens ditos probos e de bem, esteios da justiça, da correção e da lisura jurídica, policial e política, todos agiram como canalhas, canastrões encenando uma ópera bufa de escárnio e vilipêndio à cidadania e dignidade humana, não apenas de Lula, mas de todo o povo brasileiro!
Um chocante espetáculo feito para demonstrar poder, para acintosamente distorcer a legislação e a ação jurídica, política e policial, para, de forma estereotipada, impingir a todo o país uma canhestra demonstração, pueril e tosca demonstração, de zelo e rigor na aplicação da lei, subvertendo-a para atingir seus interesses mesquinhos de tentar humilhar, deprimir, ferir, aniquilar um homem, um homem idoso de mais de 70 anos, na hora terrível da morte de seu irmão mais velho, que ajudou a criá-lo, e prepará-lo para a vida. Um preso em masmorras, incomunicável, com visitas severamente restritas, impedido de exercer seu direito constitucional de livre expressão, agora tem cerceado também seu direito legal de chorar seu irmão querido.
E para isso é feita uma tragicomédia pornográfica, com transferência de responsabilidades, com alegações simplórias de impossibilidade logística, e que culmina num pavoroso anticlímax de bondade intempestiva e inócua, pois a liberação parcial do STF veio depois do enterro ocorrido.
Mas é necessário que o momento seja utilizado para analisarmos o porquê desta novela de mau gosto! Ela visa, e isso é óbvio, quebrar Lula ainda mais, pois os crápulas deste governo sabem que não terão sono tranquilo enquanto ele viver. Mas não é só isso! Esta chanchada obscena visa mostrar ao povo brasileiro, através de um ato ilegal de força e violência, quem tem o poder e a disposição para utiliza-lo, passando por cima do que acharem necessário passar, seja lei, sejam pessoas.
É um ato de violência simbólica mais ferino e mais doloroso do que poderia ser qualquer ato de violência. É um ato de tortura moral e intimidação social mais agressivo do que poderia ser qualquer ato de tortura física. É o ato que sepulta, com o hipócrita bom-mocismo do vice presidente da república e tudo, a jovem, adolescente ainda, democracia brasileira, aparelhada de forma fascista pelo atual governo, seus asseclas do judiciário e seus cães de guarda da Polícia Federal.
Sim, Fascista!! Porque o fascismo é o governo do espetáculo, das chanchadas, das tragicomédias populistas travestidas de patriotismo. H. L. Mencken nunca esteve tão certo: "O patriotismo é o último refúgio dos canalhas". E essa canalha patrioteira, moralista de ocasião, observadora seletiva da lei, legalistas de fachada, cristãos que desejam dor, morte e destruição da lei e das pessoas para que possam imperar livre de amarras e controles para seu enriquecimento escuso e ilícito, para dar vazão à sua sanha de destruição da diferença, para impor o obscurantismo como virtude e a inteligência e a cidadania e a consciência e a divergência como crime, pecado, depravação!!
Hoje deu!!! Deu para qualquer boa-fé, qualquer boa-vontade! Deu para qualquer longanimidade possível, para qualquer paciência, qualquer disposição para o diálogo com esses crápulas e a corja que os apoia!!!!
Esses seres não são o Brasil! Essas criaturas nefastas são do mal! Pertencem às trevas, ao submundo das milícias e das negociatas, e querem arrastar o Brasil para o lodo onde estão imersos! Lodo mais tóxico e mais profundo e mais avassalador do que o crime de Brumadinho, aliás cinicamente usado como desculpa para impedir a ida de Lula ao velório do irmão! Lodo da imoralidade travestida e montada de moralismo, lodo da violência e do arbítrio travestidos e montados de rigor na aplicação da Lei, lodo da promiscuidade com facínoras, milicianos, corruptos, do topo ao rés do chão, todos travestidos de homens de bem! E a arrogância, típica da casa-grande em relação à senzala e aos homens livres pobres, mostra com toda desfaçatez possível, sua horrenda cara, como uma Medusa moderna, cabelos de víboras, cujo silvo avisa que quem se atrever a levantar a cabeça e olhá-la terá morte certa, a morte certa da desumanização, da transformação da carne, das veias, dos nervos, do cérebro e do coração em pedra!
A visão imperial destes esbirros que hoje governam o país e da tacanha e provinciana elite que os apoia hoje foi desvelada em toda sua feiura. São gente feia, triste, arrogante, enfezada (com ou sem bolsa de colostomia), inculta, mesquinha, apequenada pelo peso do dinheiro que têm e pelo qual fazem qualquer coisa! Gente desprezível, que não lê, não canta, tem medo da arte, da alegria e do bom humor! Gente pernóstica, que acha que tudo tem preço e que, como tem dinheiro, pode comprar tudo! Mas hoje, e esta é talvez a única coisa de bom que saiu deste episódio lúgubre, a recusa de Lula a se submeter ao circo em cujo picadeiro num quartel de São Paulo o STF queria que ele desempenhasse, e com ele todo o povo brasileiro, o papel de palhaço, mostrou que o rei está nu! E não apenas o rei, mas sua pequena nobreza provinciana, seus grandes mercadores da vida e da natureza, seus toscos guardiões dos alfarrábios legais, seus capangas e esbirros travestidos de lanceiros de elite! Todos estão nus! E ao contrário do que disse Caetano Veloso, o rei e sua corte não são mais bonitos nus! São feios, grotescos, disformes, caricaturas de si mesmos, que não suportariam ver-se no espelho! Eles estão nus, despidos das máscaras do patriotismo, do cristianismo, do legalismo e do moralismo! São apenas o que são: seres abjetos, chafurdando em suas próprias fezes! Eles podem ter a força do governo do Estado, mas jamais terão o poder! Eles podem ter a milícia a polícia o exército, a marinha e a aeronáutica, mas jamais terão o coração do povo! Eles podem ter as corporações, o dinheiro e a cobiça, mas jamais terão a beleza, a civilidade, o amor, a empatia e a compaixão em suas pobres e tristes vidas! Eles podem ter a igreja e seus pastores, mas jamais terão a fé das mulheres e dos homens simples do povo! Pobres, cegos, miseráveis e nus!
Hoje o Brasil profundo, oculto na impessoalidade do governo e seus agentes, rapidamente, não deu nem um mês ainda, saiu do do atoleiro, mostrou a cara e pudemos ver, como disse Cazuza, ver claramente quem paga pra gente ficar assim, os vampiros, sanguessugas da Nação! Mas nós estamos vivos!!! E eles já morreram e nem sabem disso, os nosferatus da pátria amada!!! Nós estamos vivos!!!

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Um até mais pra um amigo que nunca conheci

Eu achava que nada poderia piorar esta semana. Depois da promiscuidade da família presidencial com milícias, da vergonha que passamos todos pela pequenez e falta de estatura política e diplomática deste presidente e seus "super" ministros em Davos, de estar acamado, de novo com inflamação na traqueia e brônquios, eu achava que pronto.... Deu!!! Não poderia acontecer mais nada de ruim neste final de semana.

Daí eu li a entrevista de Jean Wyllys na FSP, e a notícia de que ele vai renunciar ao mandato e sair do país para preservar sua integridade física diante da avalanche de ameaças que tem sofrido e está sofrendo.
A primeira reação foi de inconformismo... Como perder alguém com a firmeza de opiniões e com o posicionamento político de um deputado como Jean Wyllys, que foi responsável pelo não assassinato, não exclusão, pela moderação do preconceito e do machismo e da homofobia, tão arraigados ainda nesse nosso Brasil? Será que o cara que enfrentava os brucutus fascistoides do Congresso com cara limpa e palavras certas, que não compactuava, não tergiversava, não recuava nem se acovardava diante das ameaças mais destemperadas e de algumas das calúnias mais vis que um ser humano possa suportar, havia se acovardado? Estaria com medo? Havia, negando sua biografia e sua ação parlamentar e sua própria vida , afrouxado diante do ambiente apocalíptico (esperem pra ver) da Câmara dos Deputados? Será que ele tinha deixado na mão a nós todos que lutamos por um país inclusivo, plural, multicolorido e que ama sua diversidade? Logo ele? Logo quando os nem tantos assim deputados comprometidos com as pautas dos direitos básicos de cidadania para todos, iriam precisar, e muito, de sua experiência, da partilha, e, eu tenho certeza que em muitos momentos, até de seu ombro amigo, ao chegar no circo de horrores que se desenha na legislatura que toma posse em 1º de fevereiro?

Mas daí, das palavras que usei para expressar meu inconformismo inicial, uma começou a brilhar e piscar como um luminoso de neon... "Humano", "Humano", Humano".... E meu inconformismo foi passando para a compreensão, empatia e solidariedade com o o gesto do ser humano Jean Wyllys...

Compreensão que todo ser humano tem limites pra carga que pode suportar sem se quebrar física, psicológica e emocionalmente; empatia porque eu sei o quanto dói e pesa sofrer na carne calúnias e injustiças, perpetradas, repetidas e reiteradas ad nauseam e ad infinitum, mesmo que ao avesso das dele; e solidariedade, porque a nossa dor nos une, as calúnias contra nós nos irmanam, porque, afinal vivemos, sofremos, choramos, temos medos, nos decepcionamos, nos desterritorializamos! Porque, afinal, somos humanos!
Jean Wyllys e eu somos aparentemente antitéticos! Ele é gay convicto e eu sou hétero convicto! Ele é ateu e eu sou cristão, reformado! Ele milita pelas causas dos direitos civis e eu milito para que o corpo de Cristo possa vir a ser agente na construção de uma sociedade onde estes direitos possam ser naturais a toda pessoa... Ele ainda é jovem, e eu já passei dos sessenta! Mas essa antítese se desfaz quando, tanto ele quanto eu, somos cientes e conscientes de nossa radical, irredutível e plena humanidade, que é maior que gênero, crença, campos de militância ou mesmo tempo de vida!
E é preciso ser humano, saber-se humano e agir humanamente para ter a coragem de dizer: "Basta"! De saber que será usado como escada para projeção de medíocres, recalcados, mal-amados, oportunistas e golpistas de todos os tipos e ter a coragem de dizer não! Porque o mau caratismo, o oportunismo, a mesquinharia, a misoginia, o preconceito, a homofobia, o machismo, tanto pelo direito quanto pelo avesso, são instâncias de desumanização! E é preciso dizer não à desumanização! É preciso dizer não àqueles que transformam o amor em hipocrisia e oportunismo, que transformam o ser humano em um conjunto de rótulos preconcebidos, acríticos, deterministas e, fundamentalmente, perversos! 

Por isso Jean Willys e eu somos amigos! Porque, cada um com as suas dores, cada um dentro de seu peito rasgado, de seu coração que não bate, mas só apanha, cada um com seus méritos, verdades, crenças, militância particulares, cada um de nós hoje nos irmanamos na dor! E a dor une! A dor cria laços invisíveis, mas profundos! A dor nos identifica, nos constrói e nos fortalece uns aos outros  Jean! A dor cria entre nós um laço forte como um cordão de três dobras!!! Principalmente em nossos momentos de (de)pressão, quando a violência simbólica, as ameaças de violência física e, por quê não, a violência emocional e sentimental nos despedaçam, nos trituram, moem e esgarçam cada partícula de nosso ser!
Hoje, Jean, eu me descobri seu amigo, como tempos atrás me descobri amigo de Marielle, como tenho me descoberto amigo de tantas e tantos que são aviltados e massacrados pelo ódio, pelo preconceito, pelo machismo, pela intolerância, pelo oportunismo e pela mais simples cabal desonestidade humana. 
Seja bem-vindo à minha galeria de amigos, Jean! Estamos juntos, tentando garantir a vida dos que estão vivos, não deixando que nossos mortos morram e que nossos ausentes não sejam esquecidos! Saia de cabeça erguida, use sua garra, sua determinação, seu intelecto, seus sentimentos, suas opções e, principalmente, sua radical humanidade, onde quer você vá para cultivar à distância nossos amigos!
E saiba que, onde você estiver, fazendo o que você estiver fazendo, eu e mais uma multidão de amigos, estaremos perpetuando sua história e não deixando esvair a sua memória nessa Pátria que tem sido tão ingrata e madrasta com seus melhores filhos! Vá em paz, querido, e que Deus o acompanhe!!! Até mais ver, amigo!!!
Abraços virtuais!!!
Marco Aurélio M. Pereira

PS: Amigos são os que se abraçam, se beijam, saem de mãos dadas e juntos pisam na grama na cara do guarda e que, por isso mesmo podem dizer: "Ninguém larga a mão de ninguém"! Há milhares de mãos segurando as suas, querido!



sábado, 5 de janeiro de 2019

De Jesus na goiabeira a Anauê Jaci: discursos e narrativas


Eu tenho lido com bastante cuidado a maioria dos posts sobre o Bolsonaro e o seu governo. E uma coisa tem me deixado muito preocupado.... Todas, mas todas mesmo, as análises e os diagnósticos e propostas têm partido de um lugar que a própria tomada do poder pelos proto fascistas, em alguns casos nem tão proto assim, tornou anacrônico: o lugar do embate ideológico fundamentado na racionalidade, na lógica e numa topologia de ordem democrática como espaço privilegiado.
Isso é assustador, porque as coisas já não são mais assim.  Os lugares do embate mudaram, os temas mudaram, os sujeitos mudaram, não há mais o campo democrático como ordenador da ação política. E todas estas mudança provocaram uma desterritorialização daqueles que jogam o jogo da democracia e do socialismo. Parece que o discurso da esquerda parou em 2010 e não tem consciência da velocidade de mudança conjuntural política e social de lá pra cá.
Daí as intervenções acabam sendo pautadas por uma narrativa que está obsoleta, simplesmente porque não consegue perceber que as expectativas da população, mesmo num processo desmonte dos seus direitos e fragilização extrema de suas condições de trabalho e vida, não estão aí, no lugar da estrutura da sociedade. As demandas e expectativas estão centradas, e é claro que isso foi construído com muita eficiência, no campo moral e no campo ideológico, ambos superestruturais....
E respostas que, em última instância, são constatações lamentosas sobre o desmonte da estrutura social, simplesmente não têm apelo à gigantesca maioria da população, que têm suas expectativas no campo moral e ideológico, ou seja, no combate à `"ideologia de gênero", que vem com Jesus na goiabeira, menino veste azul e menina veste rosa; com a criminalização do PT, e de toda esquerda, com uma política externa alinhada aos EUA e com a demonização do socialismo de Cuba e Venezuela, e que vê comunismo atrás de cada porta e debaixo de cada mesa. E nós rimos disso.... achamos tosco, primário, falso, idiota, demente até (todas as expressões foram tiradas de posts críticos ao moralismo e ao ideologismo). Mas foi isso, e talvez ainda não tenhamos nos conscientizado, que elegeu Bolsonaro e que o legitima com mais 70% de aprovação no início do seu mandato.
Agora, se isso é uma cortina de fumaça para o desmonte neoliberal da economia e para a institucionalização de um Estado autoritário, essa cortina de fumaça está efetivamente cegando a população, e até alguns ditos intelectuais. E aí vem a questão que para mim é central: não é possível esperar receptividade da população para a crítica da pauta política e econômica do governo sem o enfrentamento dessa cortina de fumaça moral e ideológica.
E simplesmente não temos tentado compreender os fundamentos do nexo interno da narrativa de Bolsonaro et caterva e a efetividade de seus discursos junto à população porque estamos lendo de forma errada estes discursos. Eles não são vistos por nós a partir de sua efetividade e hegemonia narrativa, mas a partir de suas incongruências formais, racionais e lógicas. E resistimos a assumir que esse discurso tem eficácia, e que esta eficácia nos paralisou, por termos, até historicamente, deixado as questões superestruturais em segundo plano, até porque sempre tivemos uma visão hierárquica da determinação em última instância das questões estruturais, o que nos levou a construir nossa narrativa a partir delas.
Daí, o máximo que temos é a ironia, o desprezo e a desqualificação aos Jesus na goiabeira e aos comunistas atrás de cada porta esperando para impor a ideologia de gênero e hiper sexualizar nossos filhos. Primeiro porque é mentira, mas em segundo lugar, porque não percebemos que respondemos a questões morais com argumentos políticos e a questões ideológicas com argumentos econômicos. Ou seja, damos respostas estruturais para questões superestruturais. Esta foi a armadilha na qual caímos na eleição e na qual continuamos a cair. Dizer que Jesus na goiabeira é um delírio funciona pra nós, mas para os setores da população imersos no sincretismo místico do pentecostalismo e neopentecostalismo, da renovação carismática e até de um espiritualismo e espiritismo difuso, não há delírio, há uma experiência revestida de de autoridade espiritual de uma mulher, sacerdote consagrada a Deus que teve uma teofania privilegiada: a pastora viu Jesus. E achar que isso ocorre com alguém que vai liderar no Ministério que ela ocupa o desmonte das políticas de apoio e legitimação de direitos das chamadas minorias é mera coincidência, é simplesmente não perceber o peso e a autoridade dessa narrativa junto a setores massivos da população.
O mesmo vale para os discursos do ministro da educação e, principalmente das relações exteriores, onde a ideologia nacionalista autoritária se constrói tanto na demonização do comunismo (sic!) quanto na apologia de um regime de força.  Exemplo cristalino disso foi o discurso de posse do ministro das relações exteriores, com seu emblemático final de "Anauê, Jaci", que na tradução dele, baseada em Nóbrega, seria "Salve Nossa Senhora"!
O problema disso é que esses discursos, ilógicos, irracionalistas, alienantes, místicos no pior sentido do termo, têm funcionado. Têm conseguido nos acuar e nos levado a dar as respostas econômicas, de direitos e políticas e sempre. Que até por serem tão de sempre, já são bem conhecidas e, apesar de corretas em sua maioria, estão muito desgastadas junto à população.... Mas elas são o que temos e o que tivemos até agora.... são nossa zona de conforto e segurança, mesmo que sejam refúgio numa visão althusseriana de sociedade....
E aí estamos perdendo a disputa narrativa, porque nos legitimamos com o certo, mas hoje menos importante e tachado de velho, discurso de sempre da esquerda, contra o velho discurso moralista e ideológico, que vem como o novo, mesmo que seja um diversionismo para ação neoliberal de desmonte do Estado e dos direitos da população. A questão que se coloca é a da necessidade de termos uma resposta moral, não moralista, e ideológica a estes discursos.... Mas esta resposta não aparece nos posts da esquerda, só aparece o discurso estrutural....
A cortina de fumaça moralista e ideológica irá se dissipar? Irá, com certeza, mas temo que o seja pelo seu próprio desgaste de incoerência interno, e que o seja quando as ações estruturais de cunho neoliberal já tenham sido implantadas e desestruturado e eliminado as conquistas de décadas dos trabalhadores....
Quando será que vamos entender que é hora de se atacar dentro de seu próprio campo as narrativas morais e ideológicas?  Quando vamos assumir o desconforto de repensarmos nossas narrativas, corretas em si, mas hoje sem apelo junto à população? Quando vamos entender que precisamos ter uma concepção de sociedade onde os elementos superestruturais da vida das pessoas sejam levados em consideração, coisas como fé, família, escola, segurança e afins?
Até compreendermos isso, continuaremos acuados pelo discurso dessa direita rude e primária, mas que tem falado com mais eficiência do que nós para o homem comum.... E é o homem comum, não os do nosso grupo, que legitima ou não legitima um governo.