O navio, à deriva e com o casco
perfurado pela direita, está afundando, e parte da chamada esquerda, como
sempre, está culpando outros grupos da própria esquerda pelo naufrágio iminente...
Este
é um dos maiores problemas do campo progressista: a tentação hegemonista de
alguns dos grupos e grupelhos, ditos de esquerda, que os impede de perceber
táticas, estratégias, campos de ação política e locais de atuação política,
social e parlamentar, e que os deixa muito confortáveis, nos bares da vida,
sentados diante um chopp, com uma pilha de pedras à mão, para procurar uma
vidraça, uma telha de vidro para apedrejar.
A acusação da vez, feita pelo
jornal do PCO de hoe3, 13/02/2019 (https://www.causaoperaria.org.br/rodrigo-maia-revela-ala-direita-do-pt-fez-acordo-para-votar-em-deputado-bolsonarista-para-presidencia-da-camara/), é que a “ala direita” do PT fez, ou teria feito, um acordo, segundo
revelações do deputado Rodrigo Maia, para eleger um deputado bolsonarista para
a presidência da Câmara dos Deputados, o próprio Rodrigo Maia, do DEM.
A eleição das mesas diretoras da
câmara federal e do senado é um espaço institucional de disputa partidária, mas
não puramente ideológica e sim muito mais administrativa e política. Cada cargo
da mesa e cada presidência e relatoria de comissão significam não apenas um
conjunto de pessoal de assessoria e de recursos, que podem ser usados não
apenas na ação partidária dentro do congresso, mas também na ação política na
sociedade na sociedade.
Mas também, e principalmente no
caso dos partidos de oposição e minoritários no parlamento, a presença nas
mesas diretoras é espaço privilegiado para o conhecimento prévio e de possibilidade
de voz ativa na câmara e no senado, permitindo não apenas se inteirar, mas
denunciar com conhecimento de causa tentativas de projetos de lei espúrios, ou
manobras para aprovação destes projetos de lei, medidas provisórias e decretos,
gestados e com estratégia de tramitação e aprovação definida nas reuniões das
mesas diretoras e das comissões parlamentares. Sem a presença nestas instâncias,
seria impossível a qualquer partido o tensionamento político e sequer a
denúncia das manobras nas quais o parlamento é useiro e vezeiro....
Para isso, a disputa
administrativa não tem o campo ideológico como campo determinante exclusivo na
composição de blocos parlamentares para a disputa dos cargos das mesas
diretoras e, consequentemente, na participação nas presidências e relatorias
das comissões parlamentares. O que é determinante para isso é o tamanho das
bancadas de cada partido, e a sua capacidade de articulação em blocos
partidários, blocos específicos para essas eleições internas. A questão ideológica
nem sempre se reflete de forma cristalina na composição dos blocos, como pôde
ser visto claramente na cisão do campo progressista na última eleição da câmara
federal, onde PT, PSOL e PSB se articularam num bloco de centro esquerda, e
partidos de esquerda, como o PCdoB, e de centro-esquerda, como o PDT, se
aliaram a partidos de centro-direita e de direita num outro bloco dito de
oposição ao bloco majoritário formado pela direita e que indicou e elegeu
Rodrigo Maia para a presidência da câmara...
Na “revelação”, feita por Rodrigo
Maia, de um acordo com a “ala direita” do PT para a sua eleição para presidência
da mesa, enfaticamente ecoada pelo jornal do PCO, ocorre a confusão primária
entre bloco parlamentar específico para a eleição das mesas diretoras do
parlamento e bloco parlamentar de atuação política, tanto no parlamento
quanto na sociedade. Isto fica claro na formação de um bloco de oposição na
câmara federal com o PDT, PSOL e PCdoB, com a exclusão deliberada do PT, não
para a eleição da mesa diretora, onde eles se dividiram, mas para a atuação parlamentar.
E aí parte da esquerda parte para
um apedrejamento impiedoso ao PT, e exclusivamente ao PT, alvo desde sempre,
pelo seu tamanho, inserção social e número de votos e de parlamentares, dos
desejos mais inconfessáveis de um bom número de grupos da esquerda. Mas nenhuma
palavra a respeito do PCdoB ou mesmo do PDT, que apoiaram ostensivamente
Rodrigo Maia. Como o é para a direita, para essa esquerda o fantasma embaixo da
cama a assombrá-los é sempre e apenas o PT.
Ao ver esses episódios de
apedrejamento da esquerda pela esquerda, sempre me vem à mente, numa analogia
imperfeita, ma non troppo, o episódio de Jesus com a mulher adúltera, e a fala
do Mestre sobre apenas quem não tiver pecado poder atirar a primeira pedra. Naquele episódio,
até os “puros” fariseus abaixaram as cabeças e se retiraram.
Mas os que veem o
fantasma do adultério ideológico, chamado no jargão político de esquerda de
política de conciliação, capitulação, traição e afins, precisam ser lembrados
de que só quem não tem pecado pode atirar a primeira pedra.... E o pecado maior
na política é o deslocamento entre a ideologia e o mundo real, que gera a
incapacidade de comunicação com as massas, as pessoas que não pertencem ao
grupo dos puros, e consequentemente a ausência de uma representação efetiva em
número de votos, de mandatos parlamentares e até de participação nas estruturas
partidárias...
Para esses fariseus políticos
de hoje, travestidos de revolucionários, isso é irrelevante, pois se não sabem,
ou não querem saber, como funciona o processo político, pretendem deter o
monopólio de saber como ele deveria funcionar, e isso é o que importa... mesmo
que praticamente ninguém os ouça e siga.
O problema é que na vida concreta
da sociedade real isso apenas mascara a falta de representatividade política e o
desprezo pelo funcionamento da política democrática, tão repudiada por estes
que não compreendem que é preciso superar a democracia burguesa na ação dentro
dela, e não apenas negá-la em tese e condenar à capitulação e traição os
que preferem agir politicamente para transformá-la e fazer andar o processo
revolucionário.
Esse vanguardismo todo é como um espelho
perverso do mais fascista reacionarismo, que também nega a democracia burguesa,
no fetiche da volta do autoritarismo ditatorial. É a ignorância do princípio
elementar do materialismo histórico do desenvolvimento desigual e combinado....
É necessário, principalmente nos
dias de hoje, antes de dar ouvidos a revelações, denúncias e outros tipos de
informação, ainda mais vindos da direita, ver além da condenação fácil e da
cobrança de uma pureza de fundo moralista e legalista, travestida de
revolucionária. É fundamental examinar o contexto, o espaço, e a natureza da
ação política denunciada, e a prática, que, afinal, é o critério superior da
verdade, de quem está sendo objeto desse denuncismo divisionista.
O divisionismo é uma das
estratégias favoritas da direita para enfraquecer o campo progressista, e só funciona
tão bem no Brasil porque uma parte da dita esquerda a encampa alegre entusiasticamente
e faz, com todo empenho, o serviço divisionista sujo para a direita.... Esta
esquerda se esquece, ou não quer lembrar, que não se faz política entre
iguais... e que, sim, a política é feita no embate ideológico classista, mas
também é feita, dentro de uma democracia burguesa conservadora onde estamos inseridos,
dentro dos partidos políticos e nas suas relações e ação nas instâncias
representativas internas e no parlamento, além da luta social em si....
Ficar procurando capitulação,
rendição, conciliação e submissão à direita ou ao bolsonarismo nos processos internos
de eleição das instâncias parlamentares é perverso, porque julga o processo
político fora de sua territorialidade ampla; é reducionista, pois reduz a luta
política ao parlamento, quando não considera o todo da ação política de quem
denuncia; e é imobilista, pois, em nome da pureza ideológica, impede que os
partidos tenham espaços institucionais para ecoar as lutas sociais no
parlamento.
Nestes dias bicudos, é preciso clareza
sobre o que está envolvido nas lutas parlamentares e postura crítica frente firme, frente às declarações divisionistas da direita e à sua propagação pelas vestais da
esquerda...
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